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Toffoli obteve a informação crucial: há gente sem rosto com acesso a sigilo

Reinaldo Azevedo

19/11/2019 06h39

Das duas, as duas: estamos diante de muito barulho por nada e de pouco barulho por muito. E a coisa é mais séria do que o simples trocadilho. Pessoas sem rosto têm acesso, elas sim, a dados sigilosos sob a guarda da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Já chego lá. Antes, algumas informações.

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, tornou sem efeito decisão que ele próprio havia tomado, solicitando cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) expedidos nos últimos três anos pelo antigo Coaf, hoje UIF, agora subordinado ao Banco Central. Note-se: essa era apenas parte do pedido feito pelo ministro.

Esses relatórios são elaborados pela UIF a partir de dados fornecidos por bancos, seguradoras e joalheiras, entre outros entes, indicando movimentações atípicas. Ao todo, foram enviados ao ministro 19.441 RIFs. Toffoli pediu também informações à Receita. Já chego lá.

Atenção! Junto com os dados, a UIF passou a Toffoli uma chave que lhe permitia, se quisesse, ter acesso a detalhes dos relatórios. A nota técnica do órgão deixou claro que, se isso acontecesse, ficaria o registro de quem acessou os dados. O ministro não o fez. Ao todo, os 19.441 RIFs comportam informações sigilosas de 600 mil pessoas físicas e jurídicas.

Por que afirmo que se está diante de muito barulho por nada e de pouco barulho por muito?

Se o ministro não acessou os dados sigilosos — e não seria doido, ainda que tivesse caráter duvidoso, de negar um acesso realizado que deixaria rastro —, então não há motivo para apreensão, certo? Afinal, o que a alguns escandalizava era esse suposto superpoder. Muito barulho por nada.

E agora vem ou o pouco barulho por muito dos inocentes ou dos coniventes. Transcrevo trecho de reportagem da Folha:
"Toffoli, na última sexta, também disse à PGR (Procuradoria Geral da República) para informar, 'voluntariamente', 1) quantos e quais procuradores foram cadastrados no sistema da UIF para ter acesso aos relatórios financeiros feitos nos últimos três anos, 2) quantos relatórios foram feitos espontaneamente pela UIF nesse período e 3) quantos foram elaborados a partir de solicitação do Ministério Público.

Augusto Aras, procurador-geral da República, respondeu nesta segunda-feira parte dos questionamentos. A PGR não informou, como queria Toffoli, os nomes dos procuradores que têm acesso ao sistema da UIF. O órgão afirmou que não dispõe dessa informação."

Não sei se notaram. Faz-se um escarcéu danado porque o presidente do Supremo solicitou uma informação genérica — na verdade, cobrou macrodados, sem entrar nos relatórios sigilosos —, mas sobrevirá, quero crer, o silêncio diante de um troço que deveria, este sim, ser considerado alarmante: a PGR diz não dispor dos dados sobre procuradores que têm a chave para dados sigilosos.

É curioso, pois, que se considere uma vilania que o presidente do Supremo, com nome e endereço conhecidos, no âmbito de uma apuração também definida, possa ter acesso a relatórios sigilosos da UIF (e ele não teve), mas que pareça normal que os procuradores X, Y e Z, pouco importa, disponham do tal acesso sem nenhum controle da PGR.

Segundo Aras, em três anos, a UIF enviou ao Ministério Público 972 RIFs espontaneamente. Nenhum deles teria sido solicitado pelo próprio órgão. Se os membros do MP quiserem dados novos, segundo o procurador-geral, "precisam preencher, assinar e submeter à UIF formulário próprio antes de ter acesso a qualquer informação". E acrescentou: "A atividade de intercâmbio de informações entre UIF e autoridades competentes não permite a ampliação ou o direcionamento arbitrário das informações financeiras, mas, tão somente, a mera correção de eventuais erros materiais".

RECEITA
O presidente do Supremo também havia determinado que a Receita Federal enviasse todas as Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) elaboradas nos últimos três anos. Os dados enviados dizem respeito a 6 mil contribuintes. É possível que o ministro suspenda também essa decisão.

MAS, AFINAL, O QUE QUERIA TOFFOLI?
Na quarta, o Supremo começa a votar, em Recurso Extraordinário, se é constitucional o repasse de dados da Receita e da UIF para o Ministério Público, sem autorização prévia da Justiça, para fins de investigação penal. E aí está o busílis da coisa, que terá de ser resolvido.

Toffoli afirmou que queria entender como os dados sigilosos chegavam aos procuradores e promotores. Acho que ele já entendeu. Até porque a UIF lhe passou, junto com os RIFs, a possibilidade de acessá-los. Para tanto, nas palavras da nota técnica emitida pela UIF, a autoridade destinatária tem de se cadastrar.

O ministro não foi xeretar dados sigilosos de ninguém. Se o temor era esse, podem esquecer. Se o tivesse feito, teria deixado rastro. Parece que queria entender o trânsito de informações. E acabou entendendo, acho eu.

Ao tomar a sua decisão, a partir de quarta-feira, os ministros terão de levar em conta que existem os Guardiões do Segredo do Templo, que são os membros do MP, cujos nomes Aras diz desconhecer, que já chegaram àquele lugar a que Toffoli não chegou.

VAZA JATO
Como esquecer? No dia 1º de agosto deste ano, reportagem publicada pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, demonstrou que Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, recorreu à Receita para escarafunchar as finanças pessoais do próprio Toffoli e de sua mulher, a advogada Roberta Rangel. O ato é, por si, ilegal. Ministros do Supremo não podem ser investigados por procuradores de primeira instância. De toda sorte, não era uma investigação formal.

Ao afirmar a colegas que estava no encalço do ministro, escreveu, ironizando a própria PGR:
"Queria refletir em dados de inteligência para eventualmente alimentar Vcs. Sei que o competente é o PGR rs, mas talvez possa contribuir com Vcs com alguma informação, acessando umas fontes."

Quais fontes? Ele deixou claro: "A RF (Receita Federal) está olhando".

Olhando o quê? Onde está o procedimento legal?

Muito bem! Toffoli já suspendeu parte da decisão que tomou. Talvez faça o mesmo em relação aos dados da Receita.

Ao votar, a partir de quarta-feira, os senhores ministros do Supremo já sabem que há personagens sem rosto com acesso a dados sigilosos, que podem instruir ações penais, passados ao Ministério Público sem a autorização da Justiça.

E, como se viu, para que isso ficasse claro, Toffoli não teve de invadir o sigilo de ninguém. A resposta de Augusto Aras basta: também a PGR não sabe quem, no Ministério Público, tem acesso a esses arcanos.

No que diz respeito à Receita em particular, é bom lembrar: há gente que "olha" as coisas para Deltan Dallagnol.

Nesse caso, é claro que a imprensa está fazendo pouco barulho por muito.

MAIS AVANÇOU DO QUE RECUOU
No que diz respeito à votação que começa na quarta, tudo indica que Toffoli mais avançou do que recuou. Agora ele e todos os ministros sabem que nem o procurador-geral da República, segundo suas palavras ao menos, tem como saber quem conhece alguns segredos financeiros da República.

Isso, afinal de contas, é uma exclusividade de promotores e procuradores de primeira instância. E a Justiça nem precisa autorizar o que é, obviamente, uma quebra informal de sigilo.

Faz sentido? Duvido que o Supremo deixe tudo como está. E não porque se meta em tudo. Mas porque existe o Inciso XII do Artigo 5º da Constituição, que os nossos cegos de tanta luz estão fazendo questão de jogar no lixo.

Nesse particular, não se diferenciam muito do bolsonarismo. Só variam os Incisos de cláusula pétrea que cada grupo quer depredar.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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