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Fala de Guedes é coisa de porra-louca irresponsável! E não surpreende

Reinaldo Azevedo

26/11/2019 13h16

Paulo Guedes é um irresponsável, um porra-louca. A rigor, sempre foi. Negociante agressivo, o temperamento deve tê-lo ajudado a ganhar dinheiro — inclusive sabendo lidar com o que ele considera erros e disfuncionalidades do sistema que hoje ele diz querer consertar, nem que seja manu miliari. Há gente que conhece o mercado profundamente que sustenta que ele poderia ser ainda mais rico e mais influente — até o advento Bolsonaro, claro! — se tivesse a língua mais contida.

É uma irresponsabilidade falar o que ele falou sobre o dólar. Ele não tem de especular a respeito e, pois, de dar trela a especuladores profissionais. De resto, a sua máxima de que vamos ter de conviver com o dólar nas alturas — assim, como quem está disposto a "épater les bourgeois" — pode até fazer sentido e provocar certo efeito positivo nas exportações, mas não o suficiente para causar um impacto substancial na balança comercial que mude a realidade de déficit nas contas externas.

Ministros da economia — ou da fazenda — não se comportam como bucaneiros, como negociantes insensíveis, que não estão nem aí para a tigrada dos nativos, que sofrem as consequências de sua língua comprida.

Já a declaração sobre o AI-5 excede qualquer limite — até mesmo o da irresponsabilidade. Ignora, para princípio de conversa, que a relativa estabilidade que se vive na economia, que se deve à aprovação da reforma da Previdência — ou estaríamos no inferno — se deve ao Congresso Nacional. E, pois, ao oposto daquilo que preconizam os defensores do AI-5. Bolsonaro não ajudou a aprovar as reformas. O próprio ministro, quando foi ao Parlamento, causou mais "balbúrdia" e "bagunça", para ficar em vocábulos da predileção da turma, do que soluções.

Não fossem os políticos (e não me refiro aos palacianos), que Guedes gosta de tratar aos chutes, o país estaria numa encalacrada e tanto. Mas quê… Ele fala o que lhe dá na telha. E vemos também que é chegado a reorganizar e a recontar a história. Afirmar que Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, especulou sobre o AI-5 respondendo à fala de Lula é escandalosamente mentiroso. O que se deu foi precisamente o contrário. Lula é que reagia à conversa sobre um golpe militar ao deixar a cadeia.

Não dá para ignorar que, ao falar o que falou, Guedes reflete o ambiente dos debates internos do governo. Ou por outra: a cúpula do poder, que é integrada por ele, deve ter estabelecido um cenário em que caminha para uma regime de exceção em nome, ora vejam!, da eficiência econômica. É o que está na raiz das considerações do ministro. Nada estranho a um admirador do Chile de Augusto Pinochet. Mas a consideração não serve à ordem democrática.

Voltemos à fala do ministro. Ele se referiu também à tese de excludente de ilicitude, que o presidente pretende que esteja a amparar as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em caso de manifestações violentas, que, até agora, para certa tristeza dos truculentos, não foram convocadas por ninguém. E, ainda que fossem, a ordem legal que temos pode dar conta de quem desrespeita a democracia — como, faz, note-se, o próprio Guedes.

Ou por outra: temos um governo que, em vez de procurar solucionar problemas, encontrando mecanismos para amenizar as agruras do mais pobres durante a fase de ajuste da economia, especula, isto sim, como usar a bala e leis de exceção para mantê-los em seu devido lugar. Pode parecer uma piada, mas é assim: parte da nossa elite está mais insultada com os protestos no Chile do que a própria elite chilena — até porque esta sabe muito bem o que fez em verões e invernos passados e tem claro na cabeça qual é a o roteiro para fazer um país que enche os olhos de investidores e especuladores, mas mantém boa parte da população num aperto incompatível com um país que se quer dono de uma economia moderna e vibrante.

Há outro traço perverso na fala do senhor ministro da Economia. Notem que o centro de sua fala furiosa e absurda é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem ele atribui, ainda que em silêncio, o fato de o governo ter engolido, por ora, a reforma administrativa. O modelo "guediano" só se sustenta, então, mantendo Lula na cadeia, é isso?— e, pois, boa parte da escolha da população brasileira?

Observem que não estou especulando sobre inocência ou culpa de Lula, sobre viabilidade ou não de suas ideias. O ponto é saber se a cadeia é o melhor argumento para afastar os adversários políticos do poder. Mais ainda: opor-se a medidas do governo e ir para a rua fazer o que o ministro chama "bagunça" é parte dos sabores e dissabores da democracia. O modelo que temos dispõe de mecanismos, dentro das regras do jogo, para punir aqueles que cometem faltas e desrespeitam o pacto democrático.

A fala de Guedes desrespeita. E, infelizmente, nada vai acontecer. Já há quem esteja dizendo que ele não disse bem aquilo… Disse, sim! Quando fez o aparente desmentido, estava apenas se dedicando à ironia.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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