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O procurador, o desembargador e o concerto para Lula voltar para a cadeia

Reinaldo Azevedo

27/11/2019 17h24

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Há uma combinação de fatores — e nem vou entrar no mérito se está sendo articulada "de modo consciente e voluntário", como gostam de dizer procuradores e juízes em denúncias e sentenças — para mandar Lula de volta para a prisão. Ele atrapalha o que quer que seja que se queira fazer com o Brasil — seus inimigos também não sabem direito. Uns ameaçam o país com o AI-5; outros julgam que basta trancafiar de novo o petista, e o resto está resolvido.

Comecemos pela heterodoxia mais saliente. O Ministério Público de Segunda Instância, na pena do procurador regional  Maurício Gotardo Gerum, já havia pedido a anulação da sentença de Lula com base em decisão do Supremo, segundo a qual réus delatados devem apresentar suas alegações finais depois de réus delatores, desde que a defesa tenha apresentado tempestivamente essa petição e que ela tenha sido rejeitada pelo juiz. Foi o caso. A defesa de Lula pediu, a juíza Gabriela Hardt negou. Logo, a sentença tinha de ser anulada.

O procurador regional pediu, mas, num movimento surpreendente, voltou atrás. Enviou uma nova petição negando a anterior. Assinou as duas sem constrangimento. Desculpa para fazê-lo: como a defesa de Lula insiste na anulação do processo por outros motivos, então ele não se viu na obrigação de respeitar decisão do STF. Não só recuou como achou que a pena de 12 anos e 11 meses aplicada por Hardt era coisa pouca: pediu a elevação para 17 anos.

O subprocurador vê provas robustas contra Lula. Ok. Nem se esperava outra coisa. O que espanta é admissão tácita de que não está defendendo a punição só por isso. Ele escreve: "A insistência nos ataques ao Ministério Público e ao Judiciário se tornou uma cruzada, que de forma irresponsável semeia descrédito a essas instituições e ao próprio processo penal brasileiro. Se há provas robustas e inequívocas da corrupção, então o processo não vale. E isso foi disseminado de forma profissional, de forma a superar o conteúdo do processo pelo o que é dito dele".

Ou por outra: o doutor defende, então, uma pena que tenha um caráter didático. Que se saiba, Lula não está sendo julgado porque desafia a versão do MPF. E o procurador ainda fez declarações insólitas, para dizer pouco. Afirmou:
"O desequilíbrio político que permite que hoje se chegue ao cúmulo de se dar atenção a terraplanistas, ou, ainda pior, de se reverenciar ditadores e figuras abjetas de torturadores, tem muito a ver com o desvirtuamento de uma bandeira que, concorde-se com seus princípios ou não, tem uma importância fundamental no jogo democrático".

Hein? Está se referindo aos terraplanistas do bolsonarismo e à defesa que fazem de Augusto Pinochet? É preciso ir aos autos. Não se trata de um braço de ferro entre Lula e o MPF.

VOTO DE GEBRAN NETO
O relator do caso, João Pedro Gebran Neto, igualmente ignorou decisão do Supremo. Seguiu o Ministério Público na absurda majoração da pena — como se Gabriela Hardt integrasse as hostes do garantismo… —, mas pediu a absolvição de outros três condenados, que teriam articulado os supostos benefícios concedidos por empreiteiras a Lula no caso do sítio. Dois deles são amigos pessoais do petista: José Carlos Bumlai e Roberto Teixeira — este último é também seu advogado.

Diria que essa suposta generosidade do desembargador o expõe a uma leitura que me parece óbvia: pouco importam até mesmo os fatos nos quais ele se embasa para referendar a sentença e majorar a pena: o alvo é condenar Lula. O resto não tem relevância.

Gebran ignorou ainda, o que me parece acintoso, os problemas evidentes da sentença dada pela juíza Gabriela Hardt, que, à época, substituía Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele havia deixado a magistratura para ser ministro de Jair Bolsonaro. Bolsonaro é aquele com quem Lula não pôde concorrer porque a condenação imposta por Moro foi aprovada pelos desembargadores do TRF-4 no caso do apartamento de Guarujá. E o relator, como se sabe, dos casos que envolvem o tal petrolão é Gebran.

A doutora Gabriela copiou, em sua sentença, trechos daquela redigida por Moro no caso do apartamento. O episódio é tão vexaminoso que ela chegou a se esquecer de substituir a palavra "apartamento" por sítio". Tamanha clareza tinha do processo e do que estava sendo julgado que tratou os depoimentos de Léo Pinheiro e José Adelmário contra Lula como se oriundos de pessoas distintas. Como se sabe, Léo Pinheiro é José Adelmário.

Esse mesmo Gebran votou pela anulação de uma outra sentença dada pela doutora em razão do mesmo problema: plágio. No caso, ela tomou seus argumentos que eram do Ministério Púbico, o órgão acusador. No caso de Lula, é bem mais grave: trechos da sentença de um caso estranho ao sítio foram parar na sentença. E doutor Gebran não viu problema nenhum.

O FUTURO
Caso prevaleça a condenação, é claro que haverá recurso ao Supremo. Lula pediu para entregar a sua alegação por último. Não foi atendido. O tribunal, em caso assim, deixou claro: a sentença deve ser anulada. Depois de esgotados apelos ao próprio TRF-4, tudo caminha para um habeas corpus ao tribunal para que a sentença seja anulada.

Gebran ignorou ainda o copia-cola da juíza e o vai-e-vem do procurador regional.

Dada a decisão em vigor do Supremo sobre segunda instância, mesmo mantida a condenação, não se pode decretar a prisão de Lula. Há de se aguardar o trânsito em julgado ainda que a sentença não venha a ser anulada.

Se o STF não anular a sentença e se o Congresso aprovar a proposta que está na Câmara, que estabelece o trânsito em julgado depois da segunda instância, ficando os recursos aos STJ e ao STF relegados à condição de revisão judicial, então Lula será preso novamente.

Em muitas cabeças ocas até do "centro", isso seria bom porque, assim, desapareceriam, em tese, as tentações sobre um novo AI-5. O conjunto compõe uma comédia trágica, sinistra.

ABSURDO PRIMEIRO
Encerro lembrando a mãe original de todas as impropriedades. Sabem o que esse caso do sítio tem a ver com os desvios havidos na Petrobras? Nada! A exemplo do que seu com o apartamento, trata-se de forçar a barra, sustentando a denúncia numa ilação.

Esclareço o que quero dizer: não estou negando que as empreiteiras tenham feito a reforma no tal sítio — que não pertence a Lula. O ponto não é esse. Estou negando, isto sim, que o MPF tenha conseguido estabelecer a conexão entre esses benefícios e os contratos das empreiteiras com a Petrobras. Como não estabeleceu, o caso não deveria ter ido parar na 13ª Vara Federal de Curitiba. Isso só aconteceu porque o então juiz Sergio Moro, hoje ministro de Bolsonaro, privatizou todas as acusações que havia contra Lula.

Meteu o petista na cadeia, impediu-o de se candidatar (observem que nem entrou no mérito se cometeu ou não falcatruas) e foi ser ministro daquele que se elegeu sem precisar concorrer com o seu preso privatizado.

NÃO CHEGAREMOS
Há quem ache que, com esse andamento da Justiça, o Brasil avança. Digo que isso nos condena, como país, ao atraso e à irrelevância. Para ser justa, a Justiça não pode ser exercida como vingança. Tampouco por se mirar em quem pode subir ou descer a rampa.

 

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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