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A desigualdade grotesca do Brasil se corrige com reforma? Só se for a moral

Reinaldo Azevedo

10/12/2019 07h13

O Brasil caiu uma posição no ranking global do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em 2018. Ocupa agora o 79º lugar entre 172 países. Está no grupo dos que têm um IDH considerado "alto", embora, por si, a queda e o próprio número devam ser relativizados, já digo por quê.

No ano passado, o índice do país ficou em 0,761, um crescimento de 0,001 em relação a 2017. Quanto mais perto de 1, mais desenvolvido é o país segundo esse índice, que leva em consideração a expectativa ao nascer, a escolaridade e a renda per capita. Trata-se de uma régua importante, mas que traz uma distorção. A renda per capita divide o Produto Nacional Bruto pelo número de habitantes. Trata-se de uma média e, por óbvio, não dá conta da desigualdade. E é aí que moda o problema.

O IDH dá uma ideia de como anda um país, mas não explica, por exemplo, a convulsão social do Chile nem retrata as iniquidades do Brasil. Nesse caso, é preciso apelar a outro critério: a distribuição ou a concentração de renda. E aí passamos vergonha.

Sim, o IDH cresceu um tantinho. O Brasil caiu no ranking porque outros países avançaram mais. É fato que vem numa trajetória de elevação há já 30 anos. A média de crescimento de 1990 para cá é de 0,78%. Houve, no entanto, uma desaceleração na melhoria: avançou 0,3% de 2015 para 2016; 0,4% de 2016 para 2017, e, do ano passado para este, apenas 0,13%.

O vexame do Brasil se dá mesmo em outro território: o da concentração da renda. Aí, meus caros, não tem para quase ninguém. Não fosse a tirania do Qatar, e nós triunfaríamos, soberanos, como o país com a renda mais concentrada do planeta. Amargamos um glorioso segundo lugar. A julgar por algumas reações e análises quando os dados vieram a público, ficaremos nessa lama por muito tempo.

No Brasil, o 1% mais rico concentra nada menos de 28,3% da renda total do país. Por muito pouco, a gente não supera o Qatar, com 29%. Os 10% mais ricos por aqui ficam com 41,9% da renda total. Em terceiro lugar na concentração mundial está o Chile. E aqui cabem algumas considerações.

O IDH do país sul-americano que era tido como modelo de muita gente até outro dia é, com efeito, bem mais alto do que o nosso: 0,847, ocupando a 42ª posição. Quando, no entanto, se faz um ajuste do índice levando-se em conta a desigualdade, os dois países despencam: o do Chile cai 17%, ficando em 0,696. E o nosso mergulha ainda mais: 24,5%, em 0,574.

Fiz as contas: entre os 54 países que têm um IDH considerado alto, apenas Egito (29,7%), África do Sul (34,4%) e Paraguai (24,7%) sofrem uma queda maior quando se ajusta o Índice de Desenvolvimento Humano à desigualdade.

Sim, é verdade: os EUA figuram na lista dos países com maior concentração de renda quando se leva em conta o quanto abocanha o 1% dos mais afortunados: fica em 10º lugar. É o único país do IDH muito alto a figurar no grupo dos 20 maiores concentradores de renda. A companhia não é boa. Além de Qatar, Brasil e Chile, contam-se Turquia, Líbano, Emirados Árabes, Iraque, Índia, Colômbia, Rússia, Tailândia, Kwait, Arábia Saudita, Omã, África do Sul, Egito, Barein, Costa do Marfim e Irã.

As reações à evidência de que o Brasil é o segundo maior concentrador de renda de mundo não foram lá muito iluminadas. Aqui e ali, foram chamar "especialistas em mercado" para comentar o assunto — como sabemos, são notórios distribuidores de renda, não é mesmo? E, ora vejam, os bravos disseram que isso tende a mudar com reforma da Previdência, reforma trabalhista e outras que estão por vir.

É mesmo? Fosse assim, o Chile não seria o terceiro país com a renda mais concentrada no mundo, e não estaria em marcha por lá uma espécie de contrarreforma moderada. Parece que a desigualdade terá de ser pensada além do manual do bom liberal.

A renda média mensal de 60% dos trabalhadores brasileiros — o correspondente a 54 milhões de empregados com carteira assinada ou na informalidade — foi inferior a um salário mínimo no ano passado. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), divulgada pelo IBGE em outubro.

O rendimento médio mensal dessa camada foi de R$ 928 em 2018, o que correspondeu a apenas a 40% da renda média do conjunto dos trabalhadores ocupados: R$ 2.234.  Note-se que aquele valor era inferior ao próprio salário mínimo no ano passado: R$ 954.

É claro que o desemprego que veio com a recessão, que tem conexão com o desc0ntrole das contas públicas, não contribui para diminuir a desigualdade. Mas é evidente que uma das dez maiores economias do mundo não pode atribuir apenas à falta de reformas essa remuneração ao mundo do trabalho quando 1% dos ricos fica com 28,3% da renda total do país, e os 10% levam 41,9% do total.

Convenham: é preciso fazer uma reforma também moral.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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