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Reinaldo Azevedo

O COMPLEXO DE VIRA LATA DA DIREITA 1: Encantamento basbaque e fim de vistos

Reinaldo Azevedo

19/03/2019 07h25

Eduardo Bolsonaro: boné em inglês imitando campanha de Donald Trump e vergonha dos brasileiros ilegais, solidário que ele é com o povo americano

O presidente Jair Bolsonaro abriu seu discurso no jantar havido no sábado, na embaixada brasileira em Washington, saudando o povo americano e evidenciando seu apreço pelos EUA. Até aí, bem. Mas parece evidente que há mais do que isso. O bolsonarismo criou a versão de extrema-direita do "complexo de vira-lata", para citar a expressão de Nelson Rodrigues que designa um certo sentimento de inferioridade que os brasileiros teríamos diante de outros povos. Até uma visita à CIA serve para evidenciá-lo. Vamos ver.

Como, nos últimos tempos, referências históricas e figuras de linguagem podem não ser compreendidas no seu devido contexto, alerte-se: não estou comparando o presidente a cachorro. Eu nunca associo gente a bicho. Nem para elogiar — seria cafona: "Ah, Fulano é um canário, Fulana é uma pomba…" — nem para criticar: os bichos não merecem. E eu sou do tipo que julga se comunicar até com uma tartaruga. Minha mulher e minhas filhas dizem que é maluquice e que Avril — é a tartaruga — não me dá menor bola. Mas eu insisto que ela responde a meus comandos… Mas volto.

EDUARDO COM VERGONHA DOS ILEGAIS BRASILEIROS
O "complexo de vira-lata", a expressão rodriguiana, também já foi empregada por críticos das esquerdas ao apontar que essas correntes de pensamento sempre nos colocam na posição de um povo explorado por terceiros; assim, na relação com outros países, nós nos veríamos na posição de vítimas. Bolsonaro, seus seguidores — em particular Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara — e seu governo criaram o "complexo de vira-lata de extrema-direita". Consiste em quê?

Em demonstrar o tempo inteiro que os americanos estão muito interessados em nós — ou melhor: na linhagem política da família Bolsonaro —; que lhe conferiria especial distinção, que lhe dispensaria um tratamento diferenciado — o que, até agora, é mentira. O presidente, por exemplo, saudou no Twitter o fato de estar hospedado na Blair House, a nobilíssima área de hóspedes nas imediações da Casa Branca. É onde ficou Dilma, por exemplo, na visita aos EUA, em junho de 2015, quando Obama era presidente.

Também faz parte desse complexo tentar provar aos EUA que somos ainda mais rigorosos do que eles na defesa de seus próprios interesses. Ou não foi o que fez Eduardo ao, de maneira estúpida e inaceitável, dizer-se envergonhado com a existência de imigrantes ilegais nos EUA? O pastor Silas Malafaia, um apoiador de primeira hora do então candidato Bolsonaro, protestou. De um deputado, de um presidente da Comissão de Relações Exteriores, espera-se um mínimo de solidariedade com quem sofre. Ou os brasileiros lá estão, correndo riscos — e riscos maiores correram para chegar — porque viviam uma vida de conforto e luxo no Brasil? Ou porque se elegeram deputados ancorados no nome construído pelo pai?

A QUESTÃO DOS VISTOS, A VERDADEIRA VERGONHA
O governo anunciou ainda que cidadãos dos EUA, Japão, Austrália e Canadá não precisam mais de visto para entrar no Brasil. Não há reciprocidade. Os brasileiros não são contemplados por essa mesma facilidade nesses países. Em tese, a medida incentiva o turismo. Alguém deixaria mesmo de visitar o nosso país só por isso? Se, no entanto, decidir vir para cá só por isso, aí, então, é o caso de a gente se preocupar. Ou inexistem criminosos louros, de olhos azuis?

Subjacente à decisão, há uma espécie de reconhecimento humilhado de que não haveria razões para cidadãos daqueles países quererem ficar por aqui — Eduardo, aliás, vocalizou essa avaliação. Já o contrário parece ser uma realidade plausível. Assim, o próprio governo brasileiro cola na sua população o selo de gente de segunda categoria, que tem de ser submetida a triagens.

Eduardo tenha vergonha do que quiser. Mas vergonhosa e subserviente é essa decisão.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.