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Reinaldo Azevedo

O COMPLEXO DE VIRA-LATA DA DIREITA 2: Bolsonaro na CIA é o topo do absurdo!

Reinaldo Azevedo

19/03/2019 07h17

Gina Haspel, diretora da CIA, com quem Bolsonaro diz ter conversado sobre a Venezuela. Sob o seu comando, agência de Inteligência fez da tortura uma rotina

As evidências do "Complexo de Vira-Lata de Direita" se mostraram de modo saliente na visita, que não estava na agenda, que o presidente Jair Bolsonaro e parte da equipe fizeram à CIA. Entre eles, estavam Sérgio Moro, ministro da Justiça; o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), aquele que tem vergonha de brasileiros que vivem em situação ilegal nos EUA. Já a caminho da agência de Inteligência e espionagem, Eduardo publicou no Twitter:
"Indo agora com o PR @jairbolsonaro e ministros para a CIA, uma das agências de inteligência mais respeitadas do mundo. Será uma excelente oportunidade de conversar sobre temas internacionais da região com técnicos e peritos do mais alto gabarito".

Quatro horas depois, a assessoria do presidente afirmou que a visita se deve "à importância que o presidente confere ao combate ao crime organizado e ao narcotráfico, bem como à necessidade de fortalecer ações da área de inteligência que abrangem o Ministério da Justiça e Segurança Pública, Gabinete de Segurança Institucional, entre outros órgãos".

"Est modus in rebus", escreveu o poeta Horário. Há uma medida nas coisas. Em primeiro lugar, a atuação da CIA no combate ao crime organizado e tráfico de drogas é não mais do que marginal. Essa é uma tarefa do FBI. A CIA desenvolve trabalho de Inteligência, espionagem e contraespionagem voltado para questões de natureza política e segurança do Estado. Os dois órgãos podem atuar em conjunto no trabalho de combate ao terrorismo, por exemplo. Há intersecções, sim, mas o fato é que a CIA trata de potenciais agressões ao Estado americano, e o FBI, às pessoas.

JÁ PENSARAM LULA EM VISITA AO SERVIÇO SECRETO RUSSO?
Em segundo lugar, é claro que não cabe ao chefe de Estado de país nenhum fazer uma visita à CIA desacompanhado do presidente dos EUA, hipótese também essa impossível porque cheiraria a alguma conspiração. Fiquemos na América do Sul: é plausível que, sei lá, Maurício Macri, que preside a Argentina, fosse à Abin (Agência Brasileira de Inteligência) numa visita ao Brasil? E sem Bolsonaro? Juntos, seria ainda pior. E olhem que a nossa agência de Inteligência não atua fora das fronteiras, á diferença da CIA.

Sérgio Moro e sua equipe almoçaram ainda com representantes do FBI. Claro! Seria de todo interessante, em padrões convencionais, que soubéssemos qual é a agenda, o que também não se sabe. Virou uma espécie de convescote de polícias de Estado — já que Moro tem o comando formal da Polícia Federal. Já seria heterodoxia o bastante.

Já a visita de Bolsonaro à CIA é um despropósito. Se você ainda não entendeu quão estranho pode ser isso tudo, troque Bolsonaro ou Dilma por Lula e coloque o petista numa visita oficial, deixem-me ver, à Rússia, indo bater um papinho com o chefe do "Departamento Central de Inteligência", GRU na sigla em russo, que é o serviço secreto do país. Faria sentido? Nenhum!

A visita de Bolsonaro só se explica quando se está tentando provar aos americanos, dentro desse "Complexo de Vira-Lata de Direita", que somos pessoas de confiança…

A DIRETORA DA TORTURA
Na CIA, o presidente brasileiro foi recebido pela diretora do órgão, Gina Haspel. Como informa a Folha, "ela era responsável por prisões secretas da agência de inteligência americana, onde os interrogadores usavam sistematicamente a tortura como forma de extrair confissões de acusados de terrorismo". É claro que é possível debater até onde se pode ir para conseguir a confissão de um terrorista e, por exemplo, evitar que centenas morram no ataque a um prédio ou na explosão de um avião.

Eis aí: chefes de Estado devem manter distância dessas questões. Fosse o caso de visitar a CIA, que o fizesse o chefe da Abin — que, no entanto, não estava na comitiva. Na sua ausência, eis uma tarefa que poderia ter ficado a cargo de Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional (GSI). Um presidente não precisa e não deve se encontrar com quem justifica a tortura em nome da segurança nacional — ainda que isso possa, em situações excepcionais, fazer sentido. Nem tem de visitar nem pode justificar, ele mesmo, a tortura, é claro! Ou alguém já ouviu algo parecido saído da boca de estadista relevante?

Pior: indagado sobre o que foi fazer na CIA, ele afirmou que tratou da crise na Venezuela. Fosse levar na ponta do lápis o que diz, estamos diante de um crime de responsabilidade. Aí se fica na dúvida: é para levar a sério o presidente da República?

Esses são erros cometidos lá fora, sim, mas que encontram seus correspondentes aqui dentro. Ou por outra: opta-se por aquilo que chamo "desinstitucionalização de procedimentos". E passa a triunfar a bagunça improvisada.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.