Mourão, presidente-em-chefe sem saber se Bolsonaro será eleito, corrige o subordinado e diz sua própria asneira sobre política externa
Querem que eu diga o quê? Não tem jeito, não! Eles não entendem a democracia e ponto final! Já declarei aqui algumas vezes e reitero: a perversão da verdade é muito pior do que a mentira. A que me refiro? Vamos lá.
No domingo, o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, disse, numa "live", transmitida de seu palanque eleitoral instalado no hospital Albert Einstein, que ou ele vence a eleição, ou, então, se estará diante de uma fraude. Em seguida, fez uma indagação aos militares da ativa sobre quem seria o ministro da Defesa e emendou com uma exortação para que participem do processo eleitoral. Sobrou a mensagem oblíqua: as Forças Armadas não podem se conformar com a eventual vitória do PT.
Vou corrigir o candidato: elas até podem não gostar se isso acontecer. Mas vão continuar a cumprir o papel que lhes reserva a Constituição. Ou é golpe. Nesta segunda, Bolsonaro foi desautorizado e corrigido pelo general Hamilton Mourão, também da reserva, seu candidato a vice. Hierarquia militar é hierarquia militar, mesmo quando não se está na ativa. Quando general fala, capitão cala a boca.
E Mourão afirmou a jornalistas, depois de palestra conferida no Secovi (Sindicato da Habitação), em São Paulo, que a fala do titular da chapa não vale. Bem, é melhor que assim seja, não é? Disse: "Vocês têm que relevar um homem que quase morreu há uma semana, fez duas cirurgias. Vamos relevar o que ele disse. Minha posição é (…) quem vencer venceu. Só tenho pena do Brasil se o PT vencer".
E essa poderia ter sido a contribuição do dia de Mourão ao debate. A democracia ficaria grata. E estaria minorando besteiras que ele próprio andou proferindo por aí não faz tempo. Defendeu, por exemplo, uma Constituinte sem a participação do Congresso. O texto seria feito por uma comissão de notáveis e depois submetida ao povo em referendo. Foi o caminho escolhido pelo tirano Hugo Chávez, por exemplo. Logo depois que Bolsonaro recebeu a facada, no dia 6, o general soltou um enigmático, mas muito claro, "os profissionais da violência somos nós", como se o ato de um lunático fizesse parte de uma grande conspiração. Numa sabatina de que participou, acenou com a possibilidade de as Forças Armadas intervirem na garantia da lei e da ordem mesmo sem a convocação de um dos Poderes da República. O nome disso? Golpe.
Durante a palestra, no entanto, em que se comportou como o verdadeiro candidato à Presidência — afinal, a hierarquia é um valor importante para os militares, e o general é ele; Bolsonaro é só capitão —, o nosso homem treinado para a guerra resolveu demonstrar o que entende do mundo da política. Referindo-se à diplomacia "Sul-Sul" levada a efeito pelo governo do PT, de que eu também sou crítico em muitos aspectos — basta procurar no arquivo do blog —, disparou: "E aí nos ligamos com toda a mulambada, me perdoem o termo, existente do outro lado do oceano, do lado de cá, que não resultou em nada, só em dívidas que foram contraídas e que nós estamos tomando calote disso aí".
Bem, do outro lado do Oceano, está a África. O "aqui" de sua fala é a América Latina. O Brasil é o país mais importante da região. Imaginem um governo que olhasse para parceiros e vizinhos como "mulambada". Os chineses, que certamente têm um pensamento estratégico um pouco mais complexo do que o do general, hoje se espalham nos países africanos, fazendo do continente a nova fronteira de expansão dos negócios.
Mourão, "o presidente-em-chefe" se Bolsonaro for eleito, parece que tem suas próprias noções sobre diplomacia, geopolítica e relações internacionais.
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