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Reinaldo Azevedo

Lava jato abusiva 2: Dallagnol e candidato a chefe de fundação ilegal chiam

Reinaldo Azevedo

11/03/2019 06h06

Trecho do texto em que procurador candidato a chefão de fundação inventada pelo MPF tenta defender a estrovenga

Recomendo antes a leitura de "Lava Jato abusiva 1: TCU e STF sinalizam que fundação absurda será barrada"

O estupefaciente acordo ente Petrobras e Lava Jato foi comandado pelo dublê de procurador da República e youtuber Deltan Dallagnol. Como dei uma pancada no dito-cujo na sexta, na minha coluna da Folha, o rapazola veio a público, no Twitter, com a seguinte cascata:
"Há fake news sendo espalhadas sobre o acordo entre a Lava Jato e a Petrobras. Na verdade, ele cria um fundo inédito em favor da sociedade e gerido por ela, que investirá em controle de corrupção, cidadania, educação, saúde, segurança e em outros direitos."

"Fake news" uma ova. Publiquei e publico de novo o link do acordo celebrado. De fato, o fundo é inédito porque nunca se havia visto aberração semelhante. Quanto às intenções declaradas da fundação, dizer o quê? Só faltava o buliçoso rapaz afirmar que o objetivo era promover a corrupção, não é mesmo?

A CONVERSA MOLE DE SEMPRE
Dallagnol também tuitou, com link, um texto que seu ex-colega de Lava Jato, o também procurador Carlos Fernando de Souza, publicou no Facebook. Chega a ser pueril. Mas reproduzo mesmo assim. Diz aquele senhor:

Sobre as críticas à destinação de 2 bilhões e 500 milhões de reais, pode-se dizer que há os que não leram e criticam; há os que leram, não entenderam, e criticam; e há os que leram, entenderam, e, por má-fé, criticam. Vamos aos fatos:

1: Esse valor é devido pela Petrobras ao DoJ e SEC, órgãos do governo americano, pelos fatos revelados nas investigações da Operação Lava Jato. Trata-se de multa aplicada à estatal brasileira pelas falhas de controle e compliance que permitiram que houvesse o desvio de dinheiro da empresa (em suma, pensaram que poderiam vender títulos para investidores americanos e roubarem a Petrobras ao mesmo tempo);

2: Graças à intervenção do Ministério Público Federal, por sua equipe da Operação Lava Jato, a Petrobras conseguiu que 80% do valor total dessa multa pudessem ser aplicados no Brasil;

3: Entretanto, por restrições óbvias, esse valor não poderia retornar para a própria Petrobras, ou seu acionista controlador, já que isso resultaria em subversão da natureza sancionatória de multa;

4: A solução encontrada, a da constituição de uma fundação gerida pela sociedade civil para destinação em iniciativas sociais, visa ressarcir os danos difusos causado à sociedade brasileira pelo assalto e saque da empresa símbolo do desenvolvimento nacional;

5: Em nenhum momento o valor tem como destinação ou será gerido pelo Ministério Público, mas sim por membros da sociedade civil de reputação ilibada e reconhecida trajetória e experiência;

6: Trata-se, portanto, de valor destinado por ente privado para fazer frente a uma obrigação contraída no exterior, não se configurando hipótese de ressarcimento dos cofres públicos, como equivocadamente divulgado;

7: O Ministério Público tem por obrigação zelar pela destinação correta dos recursos dessa fundação, como aliás faz em relação a todas as fundações constituídas segundo a lei brasileira.

8: Sendo assim, sob o risco de que esse valor fosse integralmente apropriado pelas autoridades americanas, a solução encontrada visou atender da melhor forma os interesses nacionais, dirigindo de maneira inédita o valor devido no exterior para o amplo ressarcimento da sociedade brasileira.

O que resta fazer é alertar que uma discussão séria sobre um assunto desse porte não se faz com base em desinformação, leviandade ou má-fé. O caminho trilhado nestes cinco anos pela Operação Lava Jato é o de buscar o interesse público, e esse acordo atende da melhor forma possível esse interesse.

Retomo
"Leviandade" e "má-fé" se veem, isto sim, no texto de Carlos Fernando. Pra começo de conversa, ele deveria dizer que era considerado nome certo para presidir a tal fundação, hipótese em que já teria se desligado do Ministério Público Federal. Convenham: um belo destino, não é mesmo?

Em segundo lugar, Dallagnol e Carlos Fernando teriam de dizer que texto legal autoriza o MPF a criar fundações de direito privado. Funcionários públicos só podem fazer o que está previsto em lei. Cadê a lei? Onde está?

Por que, ao negociar com órgãos estatais dos EUA, os valentes procuradores não combinaram que o dinheiro seria pago no Brasil e recolhido ao Tesouro?

A verdade é que esses ousados e tresloucados só celebraram aquela estupidez porque sabiam que seria homologada, como foi, pela 13ª Vara Federal de Curitiba, com a chancela da juíza substituta Gabriela Hardt. Como já demonstrei aqui, seu despacho é um ataque ao bom senso. Ela aprova a criação da fundação — como se tivesse poderes para isso — sem citar uma miserável lei: alega que o mérito pela obtenção do dinheiro é do MPF, como se fosse formado por caçadores de recompensa, e diz que faltam recursos para o combate à corrupção. Isso não é argumento jurídico: há aí uma mistura de proselitismo e moralismo, ambos bem baratos.

Mas até ela própria achou que havia algo de estranho. Instada a convalidar os membros que comporiam o conselho da tal fundação, ela preferiu se abster, afirmando que não os conhecia para saber se eram adequados ou não. Uma juíza autoriza que se crie uma fundação privada com R$ 1,2 bilhão oriundos de uma empresa de economia mista, majoritariamente estatal, mas lava as mãos quando se trata de arbitrar sobre o seu comando. É um escracho.

VAI TER DE INVENTAR OUTRA TEORIA CONSPIRATÓRIA
Pelo visto, Dallagnol vai ter de inventar outra causa para continuar a engravidar pelo ouvido seus porta-vozes na imprensa. A fundação foi além da conta até para aqueles que escrevem tudo o que ele manda.

Essa fundação não passará. E se passar? Bem, que se crie, então, a cada acordo de leniência que se firmar, uma entidade de direito privado para combater a corrupção, sob os auspícios do MPF. Em breve, os valentes terão mais dinheiro do que o BNDES. Já hoje, convenham, comportam-se como o Poder dos Poderes, acima da Constituição e das leis.

Isso explica, entre outras razões, por que Dallagnol combateu tanto a modernização da lei que pune abuso de autoridade. Só pode ser contra a punição ao abuso de autoridade quem quer usar uma autoridade de forma abusiva.

Bingo!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.