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Reinaldo Azevedo

Dodge nega suspeição de Mendes. O quer quer Dallagnol. E o post do dia 7

Reinaldo Azevedo

12/03/2019 03h03

No dia 7, escrevi aqui um post intitulado "O pedido de suspeição de Mendes e a permanente depredação das instituições". Tratava justamente da petição apresentada pela Lava Jato à Procuradoria-Geral da República para que esta arguisse a suspeição do ministro Gilmar Mendes numa Reclamação de autoria da defesa de Paulo Vieira de Souza, conhecido por "Paulo Preto", de que o ministro é relator. Afirmei tratar-se de um despropósito. Nesta segunda, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou arquivar o pedido. A íntegra de sua decisão está aqui. O pedido de Deltan Dallagnol era de tal sorte absurdo que, atenção!, o seu objetivo não era conseguir o impedimento: ele sabia que não viria porque queria o impossível. A sua intenção era e é constranger o ministro a fazer o que ele quer.

O PEDIDO ABSURDO
Em sua petição, Dallagnol alega que dois dias antes de conceder uma liminar à defesa de Souza cobrando algumas diligências solicitadas pela defesa num determinado processo, Mendes conversou com o ex-ministro Aloysio Nunes, também investigado. Para o buliçoso coordenador da Lava Jato, que pretende ser o maior criador de fundações privadas do mundo, a conversa denotaria intimidade entre o magistrado e Nunes.

Nota: a medida cautelar que atendeu à defesa foi revogada por Mendes antes de gerar qualquer efeito no processo, o que destaquei então no meu texto e é lembrado pela procuradora-geral. Portanto, deixou de existir. E assim se deu justamente a pedido da PGR. Tal era a falta de intimidade entre os dois que falaram ao telefone que Nunes teve de recorrer a uma terceira pessoa, o também ex-ministro Raul Jungmann, para que este fornecesse o número privado do magistrado.

O QUE ESCREVI AQUI E O QUE RAQUEL DODGE ESCREVEU
O que escrevi no dia 7:
"Que intimidade estupenda é essa que Nunes mantinha com Mendes que não tinha nem mesmo o seu celular? Com esse grau de distanciamento, convenham, fica difícil fazer uma armação"

O que escreve Dodge em sua decisão:
"O fato narrado na representação, inclusive, de ele se valer de terceiros para pedir o telefone pessoal do ministro e conseguir acesso a ele evidencia que, concretamente, não há prova da amizade íntima entre Aloysio Nunes e o Ministro Gilmar Mendes".

Mais um pouco. No meu artigo, observei que, ao relatar a conversa que havia tido com Mendes, Aloysio deixou claro que não ocorrera acerto de nenhuma natureza. Muito pelo contrário.

O que escrevi no dia 7
"É estupefaciente! Trechos de conversas que indicariam o suposto comprometimento da isenção de Mendes evidenciam justamente o contrário. Se é verdade que o ex-chanceler conversou com o ministro do Supremo sobre o caso Souza, este foi o resumo que ele fez da conversa a Jungmann: "[Gilmar Mendes foi] vago, cauteloso, como não poderia ser diferente"

O que escreveu Raquel Dodge:
"O próprio relato que ele fez a seu advogado sobre como teria sido a conversa com o ministro, conforme narra a representação acerca de registro da comunicação pelo aplicativo eletrônico, também não revela situação de amizade íntima, seja pelo tempo de comunicação, seja pela informação apresentada de que o ministro foi vago e cauteloso"

Faço esse cotejo, caras leitoras e caros leitores, para destacar que tenho o bom hábito — para os que me leem (e o mau hábito para os pilantras) — de ler documentos oficiais antes de emitir opinião.

MAS O QUE QUER MESMO DALLAGNOL?
Bem, o maior criador de fundações privadas ao arrepio da lei do mundo, parece-me, quer o poder, a exemplo da Lava Jato. Mas essa é uma questão geral demais. Não trato dela agora. No caso em questão, ele só almeja uma coisa: que seu truque prevaleça e que Paulo Vieira de Souza permaneça preso em Curitiba.

Sim, você também pode querer a prisão de Souza. O problema é que se inventou um vínculo, que se ancora num único depoimento — justamente o de um delator profissional —, entre o ex-diretor do Dersa e a Petrobras que é uma pirueta jurídica que chega a ser vergonhosa. Atenção! Souza já foi condenado duas vezes em outros processos relativos a obras em São Paulo, que estavam sob a sua influência, dado o cargo que ele ocupava.

O que ele tem a ver com Lava Jato? Por que foi mandado para Curitiba? Porque Dallagnol quis e porque a 13ª Vara Federal de Curitiba — vejam o caso da fundação com grana da Petrobras — vai sempre querer tudo o que ele quer. Inventou-se uma trama rocambolesca, segundo a qual a Odebrecht teria ajudado Souza a depositar recursos no exterior. Por essa versão, uma das maiores empreiteiras do mundo teria servido como uma espécie de doleira do ex-diretor do Dersa. A história chega a ser risível inclusive para procuradores da República que atuam em São Paulo.

Só para lembrar: a Força Tarefa de Curitiba apura safadezas feitas na Petrobras, que eventualmente tenham se ramificado, mas que tenham lá seu epicentro. A 13ª Vara Federal de Curitiba também se ocupa exclusivamente desse caso. O que Souza tem a ver com os desvios de recursos havidos na Petrobras? Resposta: nada! As acusações que recaem sobre seus ombros são outras. Atenção! Ainda que Odebrecht tivesse mesmo se comportado como doleira, seria preciso que o suposto dinheiro enviado ao exterior fosse oriundo de contratos superfaturados com a petroleira. E nada disso existe.

Acontece que a Força Tarefa queria esse troféu. Estabeleceu a conexão mandraque entre Souza e a Petrobras e decretou a sua prisão preventiva. Quem vai julgar a Reclamação que vai decidir, afinal, se o processo do ex-diretor do Dersa tem ou não algo a ver com Curitiba é justamente Mendes.

Dallagnol pode ter alguns defeitos — só alguns, meu senhor, não se amofine… Mas burro não é. Ele sabe que a chance de o gato ficar com o peixe que não lhe cabe é muito pequena porque a história inventada para mandar Souza para Curitiba não para de pé. Então entrou com o pedido de suspeição de Mendes, sabendo que a petição não se sustentava. Parece que o objetivo é criar a falsa evidência: caso Mendes determine que o caso saia de Curitiba, para onde nunca deveria ter isso, então Dallagnol dirá: "Não falei? Olhe aí…" Para que não apresente a sua falsa evidência, o ministro teria de concordar com seu ato atrabiliário.

E antes que os trouxas de plantão comecem a babar, algumas perguntas:
1: só se faz justiça em Curitiba?;
2: os procuradores da República em São Paulo são todos bananas?;
3: as Justiças Estadual e Federal de São Paulo são compostas por pilantras, que não estão à altura dos heróis da Força Tarefa?

No post do dia 5, observei que práticas deletérias como a desse rapaz não contribuem para fazer um país melhor. Apenas nos empurram para o abismo. Isso nada tem a ver com combater a corrupção e cassar e caçar corruptos. Isso tem a ver com seguir as regras do Estado de Direito e do devido processo legal.

Essa é e será sempre a minha praia. Por essa razão, não hesitei em apontar a estupidez do pedido de suspeição. E tal estupidez está mais do que evidenciada.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.