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Reinaldo Azevedo

1964 hoje-3: Haverá comparação com 2ª Guerra? Sem as Convenções de Genebra?

Reinaldo Azevedo

27/03/2019 06h51

Pracinhas brasileiros: eles são heróis de todos os brasileiros; os golpistas, apenas de alguns

A determinação do presidente Jair Bolsonaro para que os quarteis "comemorem" o golpe militar de 1964 pode ter efeitos legais. escrevi o que penso a respeito. É claro que se trata de uma comemoração indevida. Informa a Folha:
Nesta terça (26), a Defensoria Pública da União anunciou que ajuizará ação civil pública para impedir que o 31 de Março, data de início do movimento golpista, seja comemorado nas unidades militares. O objetivo, segundo o órgão, é proteger a memória e a verdade, além de evitar o emprego de recursos públicos.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão vinculado ao MPF (Ministério Público Federal), advertiu o presidente e seus auxiliares, por meio de uma nota pública, de que celebrar o golpe e o regime autoritário dele decorrente, que vigorou de 1964 a 1985, desrespeita o Estado democrático de Direito e, por lei, está sujeito a punições.
"Festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas", diz o comunicado.
O texto afirma que usar a máquina pública para defender "crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa".

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É claro que se trata de buscar sarna para se coçar. Consta que o texto a ser lido em alguns comandos terá um tom conciliatório, de "rememoração" histórica, não de comemoração. Vamos ver. E, segundo informa o Globo, o golpe será comparado à atuação do Brasil durante a Segunda Guerra.

Bem, se isso está no roteiro, convém mudar. Porque, então, se deturparão dois fatos históricos em vez de apenas um. Os militares brasileiros que lutaram na Itália o faziam em solo estrangeiro, aderindo ao combate ao eixo nazifascista. Se vão associar o golpe a uma guerra, convém lembrar, então, que os mortos em decorrência do golpe eram brasileiros, que morreram em sua própria terra, e seus executores eram também nativos. Alguns tombaram, com efeito, numa luta. Mas a esmagadora maioria já tinha sido capturada. Não! Não eram pombas da paz. Mas um Estado que não é delinquente não mata e não tortura quando os adversários já estão rendidos.

Foram menos de 500 os mortos em decorrência do golpe — os números são variáveis. A ditadura brasileira não teve a brutalidade da chilena ou da Argentina, mas ditadura era. E a tortura comeu solta. E não resta dúvida de que os generais-presidentes sabiam.

Se os militares forem mesmo fazer a comparação com a atuação das Forças Armadas na Segunda Guerra, será o caso de lembrar que os "prisioneiros" na guerra interna, então, não tiveram direito às Convenções de Genebra. Ao menos três delas já haviam ocorrido: 1863, 1906 e 1929. Está já dizia respeito ao tratamento a ser dispensado a prisioneiros. E não era para matar ou dar sumiço. Em 1949, ocorreu a quarta.

Melhor seria deixar esse troço para lá.

Para evitar o ridículo histórico.

Espero que não se cometa a sandice de associar os pracinhas, heróis de todos os brasileiros, com os golpistas, heróis de uma parcela dos brasileiros. E olhem que nem estou fazendo juízo moral. Apenas se trata de não aumentar o tamanho de uns e diminuir o de outros.

Leiam outros posts sobre esse tema:

1964 hoje-1: Bolsonaro humilha Forças Armadas ao impor comemoração do golpe

1964 hoje-2: Revisionismo burro, Comissão da Verdade, indenização e anistia

64: Defesa contradiz Bolsonaro. Regrediremos 55 anos em 3 meses, generais?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.