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Reinaldo Azevedo

ERRADO! Olavo não é Trotsky. A menos que os militares sejam os stalinistas

Reinaldo Azevedo

06/05/2019 20h01

Trotsky: segundo o general Villas Bôas, Olavo de Carvalho estaria para a revolução em curso como aquele esteve para a russa. O erro: cadê a revolução?

Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, reagiu às grosserias e aos ataques feitos por Olavo de Carvalho aos militares como um todo e, na jornada mais recente, a Santos Cruz, secretário de Governo. A reação tem um peso. Villas Bôas é assessor do GSI (Gabinete da Segurança Institucional), cujo titular é o general Augusto Heleno, braço-direito do presidente Jair Bolsonaro. O ex-comandante tem grande força moral junto à tropa — refiro-me, no caso, aos militares da ativa mesmo. O fato de Villas Bôas ter rompido o silêncio vale por um recado ao próprio presidente da República. O general afirmou em redes sociais que Carvalho é um verdadeiro "Trotsky da direita". E isso significa algumas coisas infelizmente:

– o general não entende nada sobre Olavo;
– o general não entende nada sobre Trotsky;
– o general não entende nada sobre o próprio Bolsonaro.

Fui trotskysta dos 14 aos 21 anos. Na quinta, fiz uma ironia num postsó captada por alguns. Adaptei para a democracia representativa a primeira frase do livreto "Programa de Transição", de Trotsky. Ele escreveu: "A situação política mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela crise histórica da direção do proletariado." E eu: "A crise da chamada democracia representativa é, antes de mais nada, uma crise de liderança".

Trotsky queria a revolução socialista de alcance mundial. Eu sou mais modesto e quero de volta, ao menos, a democracia liberal.

É evidente que o general está confundindo as coisas. Na prática, ainda que a intenção tenha sido outra,  está sendo algo lisonjeiro com Olavo de Carvalho, colocando-o como o profeta de uma revolução que teria ajudado a fazer e contra a qual teria se voltado — essa é a difamação que os detratores de Trotsky colaram à sua biografia. Problema grave nessa analogia: os atuais detentores do poder seriam, então, próceres de uma revolução, o que é falso, e estariam para o Planalto como os stalinistas estavam para o Kremlin. Ou por outra: só faz sentido afirmar que Carvalho é Trotsky se o general inferir que o dito filósofo se comporta como traidor. Bem, general: nem Trotsky traiu o bolchevismo — com a devida vênia de algumas amigos stalinistas que me sobraram — nem Carvalho traiu o bolsonarismo. Ao contrário: o senhor e seus pares é que não haviam entendido qual era a "vibe" do capitão.

Numa coisa os "olavetes" têm razão, general: eles são a expressão do verdadeiro bolsonarismo. Se este causa a repulsa sua e de seus pares, vocês é que saíram em defesa da causa errada. O bolsonarismo, como expressão do populismo de extrema-direita, hoje um movimento de alcance mundial, não existe num mundo em que vigorem as instituições de um estado democrático de direito. Como já deixei claro aqui, para eles, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, a Imprensa e, ora vejam!, o establishment militar passam a ser empecilhos porque são filtros entre o líder e as massas.

Errado mesmo, caro general, foi, por seu intermédio, as Forças Armadas terem escolhido um candidato — e isso aconteceu. Pior: as legiões resolveram mandar um recado ao Supremo, também por meio de tuítes seus, deixando claro qual era o "voto certo" no caso de eventual habeas corpus ao petista Luiz Inácio Lula da Silva. Ocorre, general, que o voto triunfante no tribunal foi justamente aquele que desrespeitou o que está escrito na Constituição.

Trotsky foi um líder revolucionário, goste-se ou não dele. Era um prosélito poderoso em favor da revolução e também um homem da ação. Ao mesmo tempo em que escrevia compulsivamente, formava o Exército Vermelho. Olavo de Carvalho não consegue organizar nem as ofensas que dispara a esmo. Confunde seus próprios delírios com pensamento, confere-lhes o alcance de reflexão filosófica e seduz incautos pela Internet. Mas é hoje o farol, então, do "Stálin" de meia-pataca a que, ora vejam, os militares passaram a dar suporte na suposição de que impediam um mal maior.

Uma pergunta, general: desde a redemocratização do país, incluindo os dois presidentes de esquerda no período, quando as Forças Armada sofreram o enxovalho de que agora são alvos? Uma questão objetiva: Lula e Dilma contribuíram mesmo para desaparelhar as Forças Armadas, como acusa hoje Bolsonaro — o comandante-em-chefe das tropas — ou fizeram justamente o contrário? Formação intelectual, convenham, os nossos oficiais-generais das Três Forças têm. Não é possível que vocês não tenham percebido o conteúdo fascistoide da postulação bolsonarista e de seus sectários, acompanhados dos sicários de reputações. Aliás, o senhor mesmo já tinha sido alvo, antes, do ataque de Carvalho, que já o havia chamado de protocomunista algumas vezes, não é mesmo?

Ora, ora, general! Como é que o senhor pode fazer um juízo depreciativo do dito intelectual — merece a depreciação, mas outra, não a comparação com Trotsky — e servir ao governo que confere ao filósofo de sei mesmo a mais alta honraria da República: a Grã Cruz da Ordem de Rio Branco? Como resta evidente, não é o autoproclamado professor que ofende os generais e as Forças Armadas, mas o próprio presidente da República, que hoje pretende falar diretamente aos quarteis. E o senhor sabe disso tão bem como eu. Aliás, tratei desse assunto ainda antes da eleição.

Há mais uma questão, general. Trotsky foi líder de uma revolução. Onde está a nossa? O senhor mesmo teve ascensão fulminante no Exército durante o governo petista e foi comandante da Força durante o governo Dilma, justamente aquele que foi apeado do poder por intermédio do impeachment. Que se saiba, não houve ruptura nenhuma.

Bolsonaro gosta de dizer que vocês dois têm um segredo. Não sabemos qual é. A sugestão que fica no ar não é muito boa.

Não, general, Olavo de Carvalho não é Trotsky. Porque, para tanto, aqueles que ele combate deveriam ser os stalinistas da hora, que não eram um bom exemplo de exercício do poder. O mal, meu caro, foi entender, aí sim, que havia uma revolução em curso no Brasil, não uma passagem de poder, corriqueira nas democracias. Quem precisa compreender qual é o seu papel institucional é Bolsonaro. Carvalho está fazendo o que sempre fez nos últimos anos: vivendo da ingenuidade alheia. Inclusive da dos militares.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.