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Reinaldo Azevedo

Derrotado na Turma, Fachin vai ao pleno em anulação de condenações viciadas

Reinaldo Azevedo

29/08/2019 07h14

Direito de defesa: Supremo vai decidir se vai ser uma coisa ou outra… A Lava Jato já fez sua escolha, e estamos como estamos…

A questão da anulação de condenações em processos que envolvem delação premiada por violação do princípio constitucional da ampla defesa e do direito ao contraditório vai parar no pleno do Supremo por iniciativa do ministro Edson Fachin, relator do petrolão no tribunal. Não é a primeira vez que o ministro, percebendo que será derrotado na Segunda Turma, tenta inverter a decisão no pleno. Nesse caso, no entanto, é bom que o faça. Convém que o tribunal unifique seu entendimento.

O que motivou a decisão é um habeas corpus impetrado pela defesa do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado por corrupção e lavagem.

Vamos ver.

Como vocês sabem, por três votos a um, a Segunda Turma do tribunal anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras. Qual era mesmo o busílis? Alberto Toron, advogado de Bendine, entrou com habeas corpus na Segunda Turma sustentando que as alegações finais de réus que não fizeram delação premiada não poderiam ser apresentadas simultaneamente às daqueles que fizeram. Foi o que aconteceu com Bendine, por decisão de Sergio Moro, então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.

A razão, caro leitor, explicite-se de novo, é simples: o réu que é delator se torna, na prática, um auxiliar da acusação contra o réu não-delator. Aliás, há processos que só existem porque há a figura do colaborador. Isso se tornou possível a partir da Lei 12.850, que regulamenta a delação.

Ora, o Inciso LV do Artigo 5º da Constituição é explícito a mais não poder:
"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"

Pensemos na figura do réu que não fez delação. Como é que estaria assegurada a ampla defesa e o direito ao contraditório se seu advogado vai entregar a alegação final sem conhecer plenamente o conteúdo da acusação? Isso é uma aberração. Ora, as democracias asseguram justamente o contrário: todos têm direito de saber do que são acusados.

Em processos que não envolvem delação premiada, assim se faz: a defesa entrega por último as suas alegações finais, depois de conhecer a peça acusatória do Ministério Público. Nos casos que envolvem delações, no entanto, a Justiça não tem feito distinção entre réu delator e réu não-delator. O resultado é evidente: a defesa de uma das partes fica impedida de exercer plenamente o seu papel.

Por essa razão, na Segunda Turma, os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia votaram pela anulação da condenação de Bendine, devolvendo o processo para a primeira instância. Fachin foi voto vencido. Celso de Mello estava ausente por motivos de saúde. Bendine, note-se, já tinha sido condenado também em segunda instância.

CASOS DE LULA
Depois dessa decisão, como já se informou aqui, o próprio Fachin já determinou que um dos processos de que Lula é réu — com acusações feitas por delatores da Odebrecht — retroceda algumas etapas. O MPF acusa o ex-presidente de ter aceitado a doação de um terreno para a construção do Instituto Lula, o que acabou não acontecendo, e de ser o dono não-declarado de um apartamento contíguo ao seu em São Bernardo. Há recibos de aluguel que evidenciam o contrário, note-se.

A defesa do ex-presidente já havia entrado com um habeas corpus pedindo a suspensão do processo até que tivesse acesso às alegações finais dos delatores. Fachin ainda não havia se pronunciado. Agora, determinou que o caso, que já estava prestes a ser julgado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, retroceda para que os defensores tenham acesso ao conteúdo fornecido pelos delatores.

A defesa do ex-presidente pede ainda a anulação da condenação no processo envolvendo o sítio de Atibaia — semelhante, sim, na estrutura àquele de Bendine. A acusação do Ministério Público se sustenta, em grande parte, em afirmações de delatores. E, como é praxe nos processos sob os auspícios da Lei 12.850, a das delações, réus delatores e não delatores entregaram simultaneamente suas alegações finais, de sorte que, em parte, os defensores atuavam às cegas, sem saber o que réus também acusadores haviam apresentado em juízo.

Pede-se também a anulação no caso do tríplex de Guarujá. Este, já escrevi aqui, é um tanto diferente. Inexiste uma delação na origem do processo. Léo Pinheiro acusou Lula de ser dono do imóvel depondo como testemunha, não como delator, um truque usado pelo então juiz Sergio Moro — uma testemunha que estava presa, à espera de fazer uma delação. Chega a dar vergonha de escrever. O ex-presidente foi condenado sem provas, sim, mas entendo que esse processo tem outra natureza e não ilustra a questão que será votada pelo pleno.

O que pode acontecer?
Continua aqui

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.