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Militância de minorias obscurece o fato de que país é dos mais violentos também para as maiorias. E cria obstáculos à ação oficial

Reinaldo Azevedo

18/03/2018 09h08

"O Brasil é o país que mais mata gays".

"O Brasil é o país que mais mata transexuais".

"O Brasil está entre os quatro países que mais matam ativistas dos direitos humanos".

As duas primeiras "fake news" são antigas. A terceira é coisa recente e passou a ser veiculada depois do assassinato da vereadora Marielle Franco. Eis aí exemplos de notícias falsas que, não obstante, são compradas e veiculadas pela grande imprensa com aquela irresponsabilidade que só a militância confere. Infelizmente, nessa matéria, o jornalismo profissional aceita passivamente as palavras dos grupos organizados — grupos que fazem política.

Houve 61.619 homicídios no Brasil em 2016. Deve ser mais. A julgar pela desordem na segurança pública em alguns Estados, certamente há subnotificação.

O Brasil e a Síria
Costuma-se dizer por aí que se mata no Brasil praticamente o mesmo do que se mata na Síria, um país em guerra. Essa conta está errada, como já demonstrei neste blog no dia 30 de outubro do ano passado. Explico por quê.

Do início da guerra civil na Síria até março de 2017, ao longo de seis anos, morreram 321.358 pessoas. Uma barbaridade? Sim! Uma barbaridade! Ocorre que esse número reúne todas as vítimas, incluindo soldados do Exército oficial e insurgentes, que estão em guerra. O dado que interessa na comparação com o Brasil é outro. São civis nesse grupo 91 mil indivíduos. No mesmo período, em nosso país, foram assassinadas 320 mil pessoas. Entenderam? Mata-se em Banânia não "o mesmo de uma Síria em guerra", mas quase o quádruplo. A taxa de homicídios em 2016 chegou a 29,9 por 100 mil habitantes, uma das mais altas do mundo.

Sim, são comparações que apenas ilustram o descalabro. Sempre é preciso tomar cuidado. Já há mais de cinco milhões de refugiados sírios. Fogem das zonas mais agressivas de guerra. É razoável supor que parte considerável estaria morta se não tivesse fugido. Mais: o Brasil tem 204 milhões de habitantes; a Síria, antes da guerra, tinha 23 milhões — agora reduzidos a 18 milhões. É preciso tomar cuidado com números absolutos porque eles distorcem a percepção.

Mas volto ao ponto.

O Brasil está entre os países que mais matam no mundo, em números absolutos ou relativos.

Não há nenhuma sustentação científica —ZERO! — para afirmar que este é o país que mais mata gays e transexuais. Qual é a base de dados locais e internacionais? Não existe! Isso é conversa de militantes. Mas certamente Banânia está entre os líderes nesse ranking. Afinal, este país também está entre os que mais matam… heterossexuais, certo? "Ah, mas ninguém é assassinado por ser heterossexual; não se trata de um crime de ódio!", objetará o dito "ativista".

Bem, eu tenho a velha mania de achar que a morte do humano que me diminui, independentemente de sua condição sexual, da cor de sua pele, da sua ideologia política. Quando se vive um quadro generalizado de barbárie, os mais diversos recortes se podem fazer. Considero esse o caminho da perdição porque se avança no terreno da ideologia e do proselitismo político, não da busca de uma resposta.

O Brasil aprovou uma lei do feminicídio. Qualquer especialista sério em segurança pública e direito sabe que não passa de uma rematada bobagem, mero capítulo do chamado "populismo penal", aí com acento politicamente correto. Satisfaz a vontade dos "ativistas", mas não muda uma vírgula na realidade. Dos 61.619 vítimas, 4.657 são mulheres (7,55%).  Os homens são 92,45%. Não se deve, por favor, pensar na lei do "masculinicídio". Lembro-me do alarido no ano passado: "Mata-se uma mulher a cada duas horas no país". É verdade! Mas se matam 6,5 homens por hora! A desproporção dá conta do ridículo da coisa. Igualmente inútil seria a tal "lei da homofobia".

"Ah, Reinaldo, ainda que não resolva, que mal há em se adotarem essas medidas, mesmo que sejam meras ações afirmativas? Vai piorar as coisas?" Já disse: do ponto de vista das ocorrências, em si, é irrelevante. E tais escolhas podem contribuir para agravar o quadro na exata medida em que se falsifica o problema e, por isso, se oferecem respostas também falsas. Notem: a militância LGBT, feminista, negra, indígena, escolham aí, nunca foi tão saliente como é agora; é onipresente na imprensa e, para ser genérico, na mídia. E o país nunca foi tão violento.

Seria por causa desse ativismo? Em princípio, não! Embora se faça necessário considerar que essas militâncias particularistas, em razão do alarido que fazem e da influência que têm na imprensa, tentam obstar as políticas de segurança pública e as ações do Estado que buscam responder à violência epidêmica, não à agenda militante de minorias.

Marielle Franco era um quadro que pertencia a esses grupos. Ela não queria a intervenção porque a sua, digamos, "agenda de minorias", casada à ideologia de um partido socialista, a levava a pedir o fim da operação. O crime organizado deseja a mesma coisa. Ninguém vai assassinar de forma espetacular um miliciano ou um traficante para tentar pôr fim à operação. Do ponto de vista da bandidagem, a vereadora  era a vítima perfeita. Afinal, reunia quase todas as minorias numa pessoa só. E isso significa poder de mobilização.

E uma coisa eu posso lhes assegurar por princípio: entre as 61.619 pessoas assassinadas em 2016, talvez se contem nos dedos das mãos as que eram a um só tempo mulheres, negras, lésbicas, socialistas e faveladas. Bem, comecemos por tirar do grupo 92,45% das vítimas…

No post abaixo, falo do Brasil como um dos supostos campeões no assassinato de "ativistas dos direitos humanos", outra afirmação feita para alimentar o proselitismo, mas que igualmente obscurece os fatos.

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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.


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