A ENTREVISTA DE LULA 1: A admirável resiliência de um condenado sem provas
Reinaldo Azevedo
28/04/2019 07h04
Louvem-se, assim, de saída, a sua resiliência e, à diferença do que afirmou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a sua sanidade mental. Não se percebeu, em nenhum momento, sinal de confusão, de perda do fio, de palavras ao léu. Reitero: não estou entrando no mérito do que disse Lula. Em uma hora e 54 minutos de entrevista, por exemplo, não há sombra de autocrítica na sua fala — ou, vá lá, de crítica ao modo como o PT se conduziu no poder. Sim, compreendo a circunstância. Preso desde 7 de abril do ano passado, é a primeira vez que fala com liberdade. Fez um uso político do tempo. Não vou censurá-lo por isso. Ainda voltarei a esse tema. Quero me ater, por ora, à sua resistência.
Poucos, caminhando para ninguém, suportariam com tanta dignidade o reverso da fortuna. Há pouco mais de oito anos, ele deixava o governo como o presidente mais bem-avaliado da história. Na sua passagem pelo poder, fez-se uma liderança mundialmente respeitada, reverenciada por governantes das mais variadas tendências e de todos os quadrantes do planeta. No front interno, governou praticamente sem oposição — excetuando-se o DEM e o PSDB. A elite brasileira que hoje lhe vira as costas praticamente se ajoelhava a seus pés. Este cronista que escreve agora era das poucas vozes dissonantes, o que levou o líder petista e pespegar em mim a pecha de "blogueiro falastrão" num encontro com petistas. Não era fácil enfrentar a patrulha organizada dos seus partidários e admiradores. Mas não vou me ater a isso não.
Contrasto aquele que chegou a ser tratado quase como um imperador absolutista com o presidiário de agora, recolhido a uma cela — que ele prefere chamar "sala" —, em absoluta solidão, vendo o mundo pelo noticiário de TV, preenchendo as suas horas, como disse, com filmes que lhe passam em "pen drives", longe da verdadeira cachaça de que é dependente: não é a pinga, mas a política. Em dois anos, viu morrer a mulher, Marisa Letícia; o irmão de que era mais próximo, Vavá, e, supremo sofrimento, o neto Arthur, de apenas sete anos.
Já vi gente se debulhar em lágrimas de autocomiseração por muito menos e por contrastes bem mais suaves, não conseguindo suportar com altivez revezes muito mais brandos. Lula, e qualquer especialista em saúde mental certamente poderá atestá-lo, está inteiro. E pediu aos jornalistas que não fizessem o registro de um homem alquebrado. Enfrentou com frieza a primeira e dura questão de Mônica Bérgamo: está preparado para não sair da cadeia? E, ainda que se mostre compreensivelmente obcecado por sua absolvição, a resposta inequívoca é "sim".
SEM PROVAS
Este é um post que tem o objetivo de fazer, sim, o elogio da resiliência demonstrada pelo ex-presidente. Tanto mais porque ele foi, com efeito, condenado sem provas. Já fiz este desafio aqui e o repito: que alguém aponte, então, na sentença de Sérgio Moro onde está a comprovação da denúncia feita pelo Ministério Público Federal, segundo quem o tal tríplex de Guarujá era propina decorrente de três contratos com a Petrobras celebrados por consórcio integrado pela OAS. Não existe nem sombra de evidência. E o próprio Sérgio Moro foi obrigado a reconhecer isso, deixando escrito, com todas as letras, que inexiste liame entre o imóvel e os tais contratos. O TRF-4 manteve a condenação e ampliou a pena sem enfrentar a questão. O STJ manteve a condenação e reduziu a pena sem enfrentar a questão. Agora a Justiça de São Paulo reconhece que Marisa Letícia efetivamente pagou à Bancoop por cotas de um apartamento e que desistiu da aquisição. Tanto é assim que a sentença determina que o dinheiro seja devolvido. Nunca se viu propina em que é o beneficiário — o corrupto passivo — a pagar mensalidades ao corruptor…
Estou longe de ter a certeza que tem Lula de que vai deixar a cadeia. A forma como a Lava Jato e seus braços urdiram os processos não o autoriza a ter muitas esperanças. Mas ele tem um vício, lembram-se? É a política. Não entregar os pontos é a forma que encontrou de manter a sanidade mental e espiritual. E isso, por si, o torna uma pessoa admirável.
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Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.