Bretas, o Moro-raiz e ídolo de Randolfe, faz a apologia do totalitarismo
Reinaldo Azevedo
17/06/2019 04h07
Leiam o tuíte que o juiz Macelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal do Rio, publicou no sábado. Volto em seguida.
Bretas já chegou a ser saudado por setores da imprensa como uma espécie, assim, de um quase-Moro, o que era sinônimo de divindade, ainda que menor.
Há menos de dois anos, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por exemplo, hoje líder da minoria no Senado (o que é um espanto!), organizou um ato de artistas em defesa do juiz. Até Caetano Veloso foi pego distraído — quero crer que se dê conta agora da roubada em que se meteu. Se não, pior para ele.
Como esquecer aquela faixa do dia 24 de agosto de 2017, em que artistas "et alii" manifestavam seu apoio ao juiz por afrontar uma decisão do Supremo. Também a língua portuguesa era agredida com uma vírgula entre o sujeito e seu verbo. Os nossos "progressistas" compravam lobo por Chapeuzinho Vermelho. Nem sempre se acerta, não é mesmo, Caetano? Olhem que coisa! À época, escrevi a respeito.
Randolfe, para registro, é um lava-jatista fanático, o que deve ser entendido como um caso de "bolsonarismo de esquerda". O que isso quer dizer? Ele gostaria de um bolsonarismo sem Bolsonaro — disfunção intelectual que acomete também muitos jornalistas. Explico: querem um autoritário mais maneiro nos costumes. Ou seja: Sergio Moro.
Entenderam a piada?
A tal CPI intitulada "Lava Toga" era uma das tramoias a que tentou recorrer o lava-jatismo na sua sanha em favor da destruição da legalidade, do estado de direito e do devido processo legal.
Afinal, como algumas estrelas da operação já deixaram claro muitas vezes, a sua última fronteira era o STF. O resto já estaria no papo. E quem era e é um de seus entusiastas? Randolfe! O bolsonarista de esquerda! O lava-jatista fanático! O que organizou o ato em defesa de Bretas!
Em dezembro daquele mesmo 2017, o Bretas "amigo de Randolfe e dos artistas", decidiu demonstrar seu amor pelos fuzis. E postou o que segue no Twitter. Vejam como é inocente a chamada elite cultural brasileira.
Três dias antes do primeiro turno da eleição, no ano passado, Bretas tornou público um estranho depoimento que tinha como alvo Eduardo Paes, então candidato do DEM ao governo do Rio. O principal beneficiário foi Wilson Witzel (PSC), ex-juiz federal, amigo do juiz buliçoso, que acabou se elegendo governador.
No cargo, Witzel resolveu entrar num helicóptero em que estavam policiais armados com fuzis, como aquele que está na mãos de Bretas. Lá de cima, mandaram bala na pobrada de Angra dos Reis. Escrevi, então, um post intitulado "Corram, crianças pobres e pretas! Olhem o helicóptero de Witzel! E o Fasano".
Os diálogos que o site "The Intercept Brasil" está trazendo à luz revelam não um desvio, mas um método da Lava Jato. A ficha de muita gente está caindo. OBSERVEM COMO É FÁCIL ENGANAR MESMO OS DESCOLADOS DE ESQUERDA QUANDO O PRETEXTO É O COMBATE À CORRUPÇÃO.
Bolsonaro tem truculência verbal, disposição para a arruaça e fascínio por armar a população. Mas lhe faltam ideologia, valores espirituais, utopia (ou distopia).
Moros, "Submoros" e seus Dallagnois exercem esse papel. E com instrumentos de Estado nas mãos. Sim, existe Olavo de Carvalho. Mas este é só um bufão para sensíveis a seu tipo de humor involuntário e suas escatologias — em mais de um sentido.
Na sexta, Bolsonaro voltou a atacar o Supremo em razão da criminalização da homofobia, decidida por aquele tribunal, e acenou, de novo, com a indicação de um evangélico para a Corte. E Bretas fez como o jacaré da piada. Abriu a bocarra: "Obaaa!!!"
No sábado, Bretas, o queridinho de Randolfe e bombadão da ordem legal, escreveu no Twitter a mensagem que abre este post. Reproduzo:
"A teoria da Separação dos Poderes foi mesmo idealizada por Montesquieu? Veja o que o profeta Isaías escrevera aprox 2500 anos antes dele (por volta de 750 aC): "Porque o Senhor é o nosso Juiz; o Senhor é o nosso Legislador; o Senhor é o nosso Rei; ele nos salvará." (Isaías 33:22)".
Sim, o teórico original da separação dos Poderes, nos moldes em que esta nos chegou, é Montesquieu. Não entendi a interrogação do juiz.
Ou entendi: ele escreve em tom interrogativo para depreciar o pensador, como se estivesse a dizer: "Ah, esse Montesquieu não sabia de nada, era um merda! Bom mesmo era Isaías, que queria em um só ente o Juiz, o Legislador e o Rei. E este nos salvará".
Isaías falava das coisas que não são deste mundo.
Bretas fala das que são.
No mercado do divino, o ente que soma todas aquelas qualidades é Deus. No mercado dos homens, poderia ser chamado de Hitler, Stálin, Mussolini, Pol Pot, vão escolhendo aí. Por enquanto, pode ser até um certo Messias. Mas o "escolhido" era… Moro!
Isso dá conta do estado miserável a que chegamos. Um juiz que evidencia não reconhecer a independência entre os Poderes e que faz, às escâncaras, a defesa de um regime totalitário — e só por isso ele opôs Montesquieu a Isaías — manda para a cadeia quem lhe dá na telha e tem a simpatia de integrantes do tribunal de segunda instância e do próprio Supremo.
Como a gente sabe, "they trust" em alguns membros das altas cortes.
A propósito: Randolfe não vai gritar "querem acabar com a Lava Jato"? Ou já gritou e teve a voz abafada pela extrema-direita que quer bolsonarismo com Bolsonaro, Moro e Bretas, dispensando a colaboração de gente como… Randolfe?
Ah, sim: Caetano, tome cuidado com as sugestões de Randolfe! Ele acha que pode existir bolsonarismo legal sem o Bolsonaro ilegal…
Sobre o autor
Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.
Sobre o blog
O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.