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Reinaldo Azevedo

TRÊS PROPOSTAS DE MORO 1: Ele quer que CPP explicite violação à Carta e, sem querer, redação dada a texto anula o seu argumento

Reinaldo Azevedo

05/02/2019 08h00

Sérgio Moro trouxe à luz o seu famoso pacote de medidas contra a corrupção e contra o crime, que, em vídeo, ele juntou num único período, temperando tudo com o tráfico de drogas. Da para concordar com algumas coisas ali. Outras são truques retóricos. E há o que só serve para fazer a vontade do chefe, embora não seja inócuo: pode custar algumas vidas. Que efeito terá na redução da violência? Nenhum. Se cair — e o número de homicídios vinha caindo no governo Temer —, será por outros fatores. O pacote do doutor tem o condão é de aumentar, aí sim, o controle do que chamo "Partido da Polícia" sobre a sociedade, o que certamente contará com o apoio de picaretas do reacionarismo disfarçados de liberais. E há também as medidas para inglês ver. Ou para brasileiro ver pensando que já é inglês.

Analiso aqui hoje três aspectos. O seu pacote prevê uma nova redação para o Artigo 283 do Código de Processo Penal, que trata das hipóteses de prisão. No texto de hoje, exige-se que, no caso de prisão por condenação, tenha-se o trânsito em julgado da sentença — isto é, não haja mais recurso. Aliás, é o que está no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Na redação de Moro, o artigo 283 do CPP fica assim:
"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO OU EXARADA POR ÓRGÃO COLEGIADO."

Não é fabuloso? O ministro é um notório defensor da pena depois da condenação em segunda instância, tanto que propõe que a lei seja mudada para isso, certo? E olhem a redação que ele deu: "CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO OU EXARADA POR ÓRGÃO COLEGIADO". Logo, ele admite que a "condenação em segunda instância" e "transitado em julgado" são coisas diferentes. E são! Mas aí o que a gente faz com a Constituição que diz que não se é culpado antes do trânsito em julgado? Embora o Supremo autorize a agressão a texto constitucional, eles, hoje, são harmônicos. Moro quer botar em lei a agressão à Carta. De resto, essa matéria está no tribunal na forma de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade. Está lá para ser julgada desde os tempos que Cármen Lúcia presidia o tribunal. Será votada em abril. Até acho que a violação à Carta será consolidada. E há quem ache isso bom. Então ficaremos assim: ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado, mas pode ser preso.

E Moro se estende em outras propostas, impondo punições definitivas antes do trânsito em julgado.
Continua aqui

 

Leia mais no Blog:

MEDIDAS DE MORO 1: Uma síntese da I à IX; Pena depois de 2º instância; o tribunal de júri, legítima defesa, organizações criminosas

MEDIDAS DE MORO 2: Uma síntese da X à XVIII: prescrição, crime de resistência, o caixa 2, barganhas, presídios de segurança máxima

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.